Dinucci faz de Corte Curto, som para despertar os sentidos |
Veja curta-metragem sobre o processo de gravação de Corte Curto:
Cortes Curtos é o
primeiro disco solo de Dinucci. Quem
está ligado no mercado alternativo da música brasileira que interessa, sabe que
o compositor é também guitarrista de dois projetos superbacanas e que gerou
frutos tenros e promissores, o Metá Metá
e o Passo Torto. Mas, o paulista
também já deixou sua assinatura robusta, em idéias e cordas elétricas, nos
discos não menos elogiados pela crítica especializada das feras Juçara Marçal, entre
outros Padê (2008) e o encantado Encarnado (2014), parceira de toda
hora, e Elza Soares, leia-se nesse
caso, o espetacular Mulher do Fim do
Mundo. Todos eles trabalhos que carregam uma forte carga experimental e que
estão comprometidos não com a moda ou com o senso comum mais simplesmente com a
vontade de se fazer uma música autoral, antenadas com o coração de quem está
por trás dela. E que tem o tom, sim da vanguarda, de outros iluminados como Itamar Assumpção e Rômulo Froes, só para citar dois desses provocadores.
Juçara Marçal, parceira de toda hora, também brilha em CD |
E o que é o corte curto
na linguagem imagética do cinema senão a frenética interrupção de uma cena para
a seguinte, que perturba a visão e mexe com os sentidos. Como flashes rápidos,
como socos ligeiros, como o último trabalho de Dinucci. “Ele é mais filme do que disco, ouça numa tacada só, ouça
em volume alto se for possível”, definiu o autor na apresentação do CD. Como um
filme de Godard na intenção do transe,
mas com pegada abrasiva de Tarantino.
Pode isso, Arnaldo? Pode com certeza. Porque tudo no disco tem a marca intensa
do onipresente Dinucci, em suas
guitarras, já reconhecíveis de imediato, com espírito atonal e deslizes
metaleiros, como na música que abre o “filme”, “No Escuro”, composta com Wandi Doratiotto, em que profusão instrumental claramente
experimental e em velocidade estonteante acompanha letra de frase única, “No
escuro, uma pedra vira um muro”. E essa pedrada vira mesmo. Irmã siamesa, a
tresloucada “Desmonto sua Cabeça” vem na seqûencia em perfeita simbiose com a
anterior, em corte curto, em poesia concreta, corte seco: “Desmonto sua
cabeça/Eu tenho mas não uso/Remonto sua cabeça/E sobra parafuso”. Pode,
Arnaldo!
E nossa cabeça se desmonta ao longo de Cortes Curtos. E se remonta nos caminhos tortuosos inspirados pelo
disco, se encontrando multifacetada em melodias de apreensão não tão fácil mas
que, com boa vontade, conquistam o coração da gente pela autoridade da proposta.
Esse universo barulhento e por vezes, alucinado, tem por dentro um fio de
paixão que imanta as composições e nos fazem levitar. A linda “Chorei”, de Beto Vilares, em dueto afinado com Juçara Marcal, ganha ares épicos
mantendo ao fundo uma doce harmonia que acompanha a letra crua, pontual e
direta: “Chorei quando vi você nascer/Chorei pra valer”. Dinucci é piloto
experiente de vôos rasantes, porrada doída e reveladora de uma São Paulo tão
cosmopolita quanto violenta, como na ótima “Uma Hora da Manhã”, em que descasca
o preconceito de cada dia em letra que narra a briga, no supermercado Extra na
avenida Brigadeiro, de uma nordestina com um homossexual. Diálogos da
madrugada. Escanfandrista de mergulhos sem fim, Dinucci canta em “Seus Olhos”, em parceria com Sinhá: “Seus Olhos tem o tamanho da minha ferida”. De novo, curto e
grosso e banhado em sonoridade pesada, com guitarra guerreira e hipnótica.
Mas Dinucci é
capaz também de momentos mais leves. Se bate, pode assoprar, a exemplo de “O
Inferno Tem Sede” e a “Morena do Facebook”. A primeira, amorosa, conta com a
participação especial da especial de Tulipa
Ruiz, uma delicada música pop na raiz e encantadora na superfície. A
segunda, bem humorada, tem compasso lento, passo praiano, curta-metragem da
vida real em contraponto a vida virtual: a morena do facebook que não enxerga
os admiradores que passam ao seu lado é real ou virtual? As mulheres, aliás
estão presentes de forma significativa no álbum. Além de Tulipa, tem a maravilhosa Ná
Ozzetti, na circense “Inferno Particular”, e outras duas musas da vanguarda
paulista, a já citada Juçara Marçal e
Suzana Salles, essas em vários
momentos desse disco cheio de belos lampejos. E tem os manos, figuraças pra lá
de talentosas, como Thiago França, Rodrigo Campos e Rômulo Froes, só para listar aqueles com belos discos na bagagem.
Não é pouco. Certeza: esse cara está bem acompanhado. Tudo isso credencia Corte Curto a tocar merecidamente em seu
player. É disco para entranhar e se ter na memória. Porque curtos-circuitos na
alma são mais que necessários.
Cotação: Ótimo
Pra download em alta rotação no site do artista:
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