Treze músicos e uma missão: eletrizar você |
Escute o disco na íntegra:
É preciso que se diga que, do primeiro disco do grupo de
2012, assinado ainda como Abayomy
Afrobeat Orquestra, para este segundo, os 13 músicos da banda abraçaram uma
variação musical que, se não os afastaram muito da sonoridade da estréia, os
aproximaram do batuque característico da Nação
Zumbi. O grupo continua sendo afrobeat dos bons com um toque personalizado
e enriquecedor dos tambores do maracatu pernambucano a cargo do produtor do CD,
Pupillo, da banda que nasceu com o
mítico Chico Science. Os cariocas
mantem saudavelmente o elo com a música que transformou o multi-instrumentista
nigeriano Fela Kuti numa figura
capital, quase uma entidade, por ter ousado misturar ritmos africanos com os
ocidentais sem ter perdido a identidade. A contribuição de Pupillo vem para agregar um batuque a mais, tambores e guitarras
dissonantes a mais, sedimentando a essência afro-brasileira no já fervilhante e
miscigenado som da Abayomy. É
evolução. É a busca de uma mistura que não tem tempo ruim e nem prazo para
acabar.
Combo carioca refina música em disco primoroso |
A reverência explícita a Fela Kuti aparece logo na primeira
música, que dá nome ao álbum, a emblemática “Abra sua Cabeça”. A introdução
dessa composição é feita por ninguém menos que Tony Allen, o baterista conterrâneo e diretor musical do grupo
nigeriano que criou o afrobeat. Clarividente. O mestre abre a roda para o
poderoso casamento de batuque e jazz que mexe com nossos sentidos. E reforça
também, com seus metais e tambores, o talento bem temperado de um combo de
músicos azeitados e que não brincam em serviço. Os deuses da África e do Brasil
baixam sem dó nem piedade nos dedos e pulmões de Alexandre Garnizé (vocal), Claudio
Fantinato(percussão), Mônica Ávila(sax
e flauta), Rodrigo Larosa(percussão),
Gottardi(guitarra), Maurício Calmon(teclado), Marco Serragrande(trombone), Leandro Joaquim(trompete), Zé Vitor(guitarra), Fábio Lima (sax), Gustavo Benjão (guitarra), Thomas
Harres(bateria), Thiago Queiroz(vocal).
Na canção de abertura, essa galera afinada leva o afrobeat a extremos num
instrumental pontuado por letra curta, dispensável até, tal a pegada orgânica
do som, mas que não tira o brilho dessa instigante música.
Cabeça aberta, o álbum segue na trilha “afrobeatiana” com
outras criações de peso não deixam a peteca cair para quem está disposto a ser
definitivamente abduzido pela dança. África e tambor batem forte em “Oya!
Oya!”, com metais e instrumentista tinindo, numa música engajada com direito a
citação dos revolucionários Hélio
Oiticica e Che Guevara,
repetindo também aqui a politizada atitude da escola arquitetada por Fela Kuti: “Seja marginal, seja
herói/Pois é a margem desse rio que eu pego peixe pra alimentar/ (...) Um
camarada diz: Sem perder a ternura jamais”. Mesmo teor contestatório presente
na mais cadenciada, mas não menos vibrante, “Com Quem”: “Eu te disse o que ia
te acontecer com quem quer te ferrar/Com quem rouba seu dinheiro/Com quem rouba
seus direitos”. E assim como começou, “Abra sua Cabeça” termina sua enérgica
viagem pela batida africana em “Peleja”, uma das melhores do álbum, com
discurso aberto e direto em defesa da negritude: “Negro se vê diferente, porque
certamente igual não é/Ainda tem muita gente que acha que negro nem gente é”.
Pupillo troca sua
experiência e influência com a Abayomy
em músicas onde podemos perceber a fusão do afrobeat com a sonoridade da Nação Zumbi em perfeita sinergia, sem
que o bando carioca varra sua identidade. Às vezes de forma mais direta, como
na superbacana e hipnótica “Vou pra Onde Vou”, que conta com a participação na
letra e voz de Jorge Du Peixe,
vocalista da Nação, música que bem
poderia ter saído de um CD da banda pernambucana. E também na mais pop e
funkeada, “Mundo sem Memória”, com o endiabrado Otto dando um alô e fazendo ode ao samba: “Não fique por perto, que
o samba é elétrico, o samba é feito de raio e trovão/Com cheiro de rosa,
perfume na mão, a mulata assanhada não pede perdão/Diz aí companheiro, o samba
é guerreiro”. Ou na climática e bonita(repare nas camadas produzidas pela
guitarra) “Sensitiva”, único momento em que o grupo tira o pé do acelerador e
tece um tapete de rosas para a cantora Céu
pisar e cantar com sua voz sensual. Do número dela, essa linda canção. Com um
pé na África e outro no Brasil, Abayomy
faz de Abra sua Cabeça um vigoroso
exercício de beleza e precisão, o estreitamento de laços com uma música dançante,
corajosa, feita para ouvidos valentes e almas espertas. Sal grosso pra afastar
mazela e mau olhado. É assim que se faz quando se vem pra ficar.
Cotação: ótimo
Baixe Abra sua Cabeça: